4 de jan. de 2015

Vale Nada

"Mais grave!
Mais agudo!
Mais eco!
Mais retorno!
Mais tudo!"
(Tim Maia)

Se Tim Maia: Vale o Que Vier era para ser um documentário fiel a Sebastião Rodrigues Maia, uma das maiores vozes da música brasileira, a Globo falhou miseravelmente. Desculpa começar logo pela conclusão, caro leitor, mas o especial dividido em dois capítulos (e exibido nos dois primeiros dias de 2015) pode ser qualquer coisa, mas não consegue fazer jus à epígrafe deste texto, frase registrada do repertório de grandes citações de Tim Maia. 

A ideia até que não era ruim: aproveitar Tim Maia, o filme produzido pela Globo Filmes a partir de Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, biografia episódica lançada pelo produtor musical Nelson Motta em 2007, para fazer um programa especial para começar bem o ano em que a emissora carioca completa seus 50 anos. Pesa contra, claro, o fato de que o longa-metragem dirigido por Mauro Lima ainda encontra-se em cartaz em um número razoável de cinemas brasileiros. Transformá-lo em minissérie, aproveitando imagens de acervo e colocando depoimentos de amigos e pessoas próximas a Tim Maia, a partir daí, parecia uma solução óbvia.

Mas, parafraseando Galvão Bueno, "uma coisa é chegar, outra coisa é ultrapassar". Ainda que a Globo, avise nos créditos de Vale o Que Vier que aquilo que é mostrado na tela é "uma obra de ficção coletiva baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade", a minissérie é nada mais que um documentário com partes romanceadas. Porém, um documentário sem precisão quanto a datas, fatos e informações biográficas, que acaba "explicando para confundir". É o que acontece, por exemplo, quando a produção usa "Me Dê Motivo", composição "dor de corno" de Sullivan & Massadas nos anos 1980, para ilustrar as aventuras românticas de Tim Maia na década de... 1970. Mostrar músicas em arranjos anacrônicos ou em diferentes contextos de sua produção é outra falha frequente do projeto. 

Outro problema são os depoimentos: apesar de falar com velhos companheiros de Tim (como Erasmo Carlos, Hyldon e Fábio), eles pouco contribuem para aprofundar Tim Maia, servindo mais para apenas confirmar o que a "novelinha" do filme trazia, ou para celebrar mitos conhecidos sobre o cantor - como o mau humor ou o hábito de faltar a shows. O biógrafo Nelson Motta, por sua vez, pouco contribui para desmitificar Tim - algo que já estava presente em Vale Tudo.  Um raro acerto nesse momento é ir atrás de Roger Bruno, americano que tocou com Tim quando ele morou nos EUA, no início dos anos 1960. O depoimento de Bruno, ainda que curto, é um bom registro da viagem de Tim à "América" - normalmente, comenta-se apenas que o cantor ficou preso e ouviu muito o som da Motown, que ele faria questão de recriar por aqui - e impressiona pela utilização de legendas, algo que há tempos não se via na Globo.

Pena que o acerto de falar com Bruno se apague quando a Globo resolve dar espaço (demais) a limpar a barra de Roberto Carlos em seu relacionamento polêmico com Tim Maia. Segundo a lenda (que o livro de Nelson Motta conclama), Tim teria procurado Roberto quando este já cantava no Jovem Guarda, e teria sido humilhado pelo Rei, que anos depois, gravaria "Não Vou Ficar", e abriria portas para o Síndico. No filme de Mauro Lima, a cena da humilhação se faz presente, enquanto em Vale o Que Vier a impressão é desfeita com um depoimento 'cara de bom moço' de Roberto, falando que até indicou Tim a uma gravadora. Seja como for, a questão segue nebulosa. 

Apesar de imprecisões históricas, a parte romanceada da história acaba sendo um dos bons momentos de Vale O Que Vier, com destaque para as boas interpretações da dupla Robson Nunes/Babu Santana. O problema é insistir, por exemplo, que Tim Maia só teve uma mulher (ainda mais quando ela é interpretada por Alinne Moraes), ou apostar em um Roberto Carlos caricato, digno de uma esquete de Porta dos Fundos. Pior ainda é ignorar a existência de alguns de seus "velhos camaradas", como Hyldon (que aparece apenas em depoimentos, mas não na 'ficção') e Cassiano (simplesmente o cara que fez "Primavera" e "Eu Amo Você", duas das melhores baladas do disco de estreia de Tim, de 1970). Além disso, pesa na conta o fato de que a parte ficcional do filme é uma grande colcha de retalhos do filme de Mauro Lima - mas que deve passar para o público em geral como uma versão apenas dividida em duas partes do longa-metragem. O próprio Mauro, por sua vez, pediu ao público que não assistisse ao programa da Globo. 

Mais do que isso, no entanto, é desabonador ver que o fenômeno Tim Maia permanece distante de uma boa leitura sobre sua personalidade, sua obra e sua influência no cenário musical brasileiro. O livro de Nelson Motta, apesar de empolgado e bem-escrito, investe no mito. O filme de Mauro Lima segue a trilha, enquanto a minissérie da Globo reforça a imagem de um Tim Maia rancoroso, drogado e triste - algo que ele até pode ter sido, mas apenas em alguns de seus (piores) momentos. Falta punch para alguém investigar algo além da superfície de Tim Maia - o envolvimento do cantor com a Cultura Racional (e sua posterior negação, além da formação da gravadora independente Seroma), por exemplo, permanece mal explicado e merecia melhor tratamento (ou ao menos, acabamento), para citar apenas um tema. Cabe esperar um descobridor dos sete mares a se aventurar na obra do síndico. Enquanto isso, o homem se engana achando que vale tudo, que vale o que vier. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário