21 de fev. de 2014

Pancadão das Marchinhas

Verdadeiro tesouro nacional - ao lado da feijoada, das fitinhas do Senhor do Bonfim e dos socos no ar de Pelé - as marchinhas de carnaval há muitas décadas embalam bailes nostálgicos das folias de momo pelo País, em não poucas ocasiões sendo executadas em versões um bocado desgastadas pelo tempo (ou será que alguém ainda aguenta ouvir "Chiquita Bacana" com o mesmo arranjo de 1949, na gravação de Emilinha Borba?) e frequentemente ignoradas pela ampla maioria do público jovem. 

Com um olho no peixe (no público que consome música de maneira fiel a seus artistas preferidos) e outro no gato (a dupla oportunidade de mercado no calendário brasileiro, pelo carnaval e pela pouca agitação em lançamentos no início de temporada), a Som Livre comandou a gravação de um especial com releituras de alguns dos maiores sucessos dos carnavais de antigamente em roupagem funk, convidando nomes de sucesso do ritmo de hoje (Anitta, Naldo Benny, MC Marcelly) e de ontem (Buchecha, MC Leozinho, MC Marcinho) para adaptar as canções ao seu universo, num disco produzido a toque de caixa convenientemente chamado de Pancadão das Marchinhas

Vale destacar que, apesar do nome, de pancadão o disco tem muito pouca coisa, sendo muito mais próximo do funk melody noventista que fazia a festa nas tardes do Xuxa Hits - o programa da rainha dos baixinhos que, com o apoio do DJ Marlboro, trouxe o funk do morro para a casa da família classe média brasileira, emplacando aparições televisivas de gente como Vinicius e Andinho ("Corpo Nu"), Márcio e Goró ("Madagascar") e até os notórios Claudinho e Buchecha. Não à toa, talvez a melhor presença neste especial seja a do próprio Buchecha, que encaixa "Aurora" (de Mário Lago) em um ritmo hábil, com vocalização convincente e batidas empolgantes. Ainda na turma dos veteranos, outro acerto é o do glamuroso MC Marcinho com "Saca-Rolha", embora o mesmo derrape ao vocalizar demais em "A Jardineira", um erro também cometido por MC Leozinho em "Ô Abre Alas" e por uma meia dúzia de artistas nesse disco.



Da nova geração, os momentos mais interessantes ficam por conta da dupla MC Marcelly, que recria "Se A Canoa Não Virar" com ecos do seu grande hit "Bigode Grosso" (em tempo: Marcelly merecia uma marchinha mais bacana por seu potencial) e MC Tarapi (de "Novinha Safadinha"), que ataca "Ta-Hi" com um misto de esculacho e sentimento sem escorregar nem um pouco. Enquanto isso, Naldo Benny estraga dois clássicos ("Me Dá um Dinheiro Aí" e "O Teu Cabelo Não Nega") exagerando nas inflexões vocais; o Ne-Yo brasileiro nem merecia estar presente aqui, para falar a verdade. Já a poderosa Anitta mostra que de funk seu trabalho tem muito pouco ja faz algum tempo, fazendo uma versão Barbie Girl da Zona Norte para "Chiquita Bacana", mais próxima do Discovery Kids que do glorioso quadradinho.

A resposta, talvez, tanto para Leozinho quanto para Anitta e Benny, pode parecer trivial e academicista, mas é bastante compreensível: ao exagerar na ênfase de algumas vogais nas canções, os três dão à mensagem um tom sentimental que não cabe em uma música festiva; Buchecha, por outro lado, acerta ao usar a mesma métrica das versões originais para manter o balanço dos pés no chão e das mãos para o alto, com perfeito uso da tensividade, como explica o musicólogo Luiz Tatit (do Grupo Rumo, outro exemplo de artista que soube recriar o universo do samba pré-anos 50) em um artigo dos anos 80 chamado "Canção, Estúdio e Tensividade".



Entretanto, seria impossível falar de Pancadão das Marchinhas sem mencionar dos momentos hilários e verdadeiramente bisonhos da coletânea: enquanto o pseudo-cantor David Brazil demole "A Cabeleira do Zezé" e a pouco conhecida "Vizinha", Mr. Catra põe sua voz rasgada e grave a serviço de detonar "Índio Quer Apito", mas transformar "A Pipa do Vovô" em uma piada quase involuntária. O ponto alto da seleção, entretanto, fica nas mãos de Valeska Popozuda, que manda beijinhos no ombro e adapta para seu universo as dúbias "Mamãe Eu Quero" e "Maria Sapatão", com ecos de outras canções da turma da Gaiola, em um resultado sensacional.

No saldo geral, Pancadão das Marchinhas acaba tendo resultado parecido com a maioria dos tributos que se veem por aí em outros estilos e propostas, com uma boa parcela de versões não mais que esquecíveis, uma ou outra releitura que pode até animar um carnaval, e dificilmente algum momento que possa ser lembrado nos próximos anos. A bem da verdade, por sua natureza comercial, Pancadão parece mesmo uma produção como a fantasia do pobre (de rei, de pirata ou jardineira), cheia de ilusão e se acabando na quarta-feira. 

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