28 de out. de 2011

Além do Que Se Pode Ver


Começar uma carreira de novo já é um desafio para muitos artistas. Fazer isso duas vezes, por extensão, é algo que apenas poucos conseguem fazer com total controle da situação. Pode-se dizer que, atualmente, é justamente esse controle da "terceira vinda" que está sendo testado na carreira do hermano Marcelo Camelo. Depois de ser "fenômeno das paradas de sucesso" e, ao lado de seu parceiro Rodrigo Amarante, "herói do rock brasileiro da última década", Camelo agora tenta emplacar vôo solo - mas seu passado parece continuar a querer lhe assombrar. Foi o que ficou claro em sua apresentação nesta última quinta-feira (27), no ginásio de esportes do SESC Ipiranga, em São Paulo.

Ao se adentrar o espaço do show, a primeira impressão que se tinha era de que aquele já era um jogo ganho para o carioca. A vasta maioria da plateia tinha entre 20 e 30 anos, e se vestia no melhor estilo "indie sambista riponga" de Camelo - ou, no caso das mulheres, da namorada do cantor, Mallu Magalhães - em evidente sinal do poder de influência que as canções do grupo fluminense tiveram na vida dessas pessoas. Entretanto, o que poderia ser uma vitória fácil, de goleada, transformou-se em um empate suado, conquistado quase aos 45 minutos do segundo tempo.

Camelo abriu o show fazendo troça de sua figura como celebridade - "E aí, cês me viram na praia ontem?" - e dizendo à platéia como era bom estar ali, tocando suas canções. Ele não mentia: era claro o conforto e a desenvoltura que exibia no palco ao fazer um espetáculo cujo repertório baseou-se quase na íntegra em seus discos solo, Sou e Toque dela, lançados respectivamente em 2008 e em 2011. Ainda que bem trabalhados, os álbuns, na somatória, não tem canções o suficiente para sustentar um show de pouco menos de duas horas. Além disso, ao vivo, muitos dos delicados detalhes que compõem os arranjos dessas músicas se perdem. O resultado é que, quando executadas em sequência, elas soavam todas iguais, cansando o espectador.

O show teve poucos momentos nos quais saiu da temperatura morna, apesar do entusiasmo do público, cujo coro chegava a cobrir a voz de Camelo por vezes. Até mesmo nesses instantes, porém, faltava alguma coisa: o sistema acústico do ginásio traía banda e plateia, transformando o som em uma massa embolada, que carecia de definição e reverberava demais pelo lugar. O que, entretanto, não tira a força das canções que protagonizaram tais passagens da apresentação: a bonita balada "Janta", cantada em português e inglês pelo hermano; a marchinha "Copacabana"; o quase-frevo "Menina Bordada"; e "Três Dias", parceria com o cartunista André Dahmer. Vale ainda destacar o bom momento de quando Marcelo deixou o palco para ceder os holofotes à sua banda de apoio, o Hurtmold, que aproveitaram o espaço para fazer um improviso instrumental contagiante. E também quando, em uma "irresponsabilidade" (frase do próprio), ficou sozinho ao violão para cantar a sua "Cara Valente", gravada por Maria Rita.

Durante a apresentação, era possível perceber que o carioca não tinha a intenção de cantar sua velha banda. Também era possível perceber na plateia a expectativa: "será que é agora que ele vai tocar uma do LH?". No tempo regulamentar, "Morena" e "A Outra" apareceram, em momentos tímidos por parte do cantor. Ao final, como quem risca fósforo em gasolina ciente do que vai acontecer, Camelo rendeu-se e tocou a já sabida "Além do Que Se Vê", incendiando o SESC Ipiranga, em uma energia que nem de perto se viu no decorrer do show, deixando aquele gostinho de "quero mais", ou pior, de "puxa, mas por que é que ele não faz isso durante o show inteiro?".

É admirável que Camelo tente alçar novos voos, desenvolvendo um trabalho autoral e não se prendendo a um saudosismo barato. Mais do que isso: é algo perfeitamente coerente com sua história, alguém que teve a coragem (ou a audácia) de parar de tocar seu maior hit e, na sequência, fazer Bloco do Eu Sozinho, um disco com sons de tuba, baladas esquisitas e até uma canção em francês. Porém, parece faltar ao cantor a noção de que grande parte do público que o acompanha hoje só o faz por culpa de algumas das (grandes) músicas que escreveu ao lado de Amarante. Tocar "Horizonte Distante", "Pois É", "Casa Pré-Fabricada", só para citar três, não soaria artisticamente deslocado dentro do setlist que exibiu no Ipiranga, e seria uma forma de Camelo reconhecer (e agradecer) a esse público fiel. Em poucas palavras: em um show médio, foi interessante perceber que o hermano está tentando chegar a algum lugar novo. Mas a sensação geral, ao fim de tudo, é de que ficou faltando um pedaço, além do que se pode ver no Ipiranga.

Fotos por Bruno Capelas

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