2 de mar. de 2011

O Nosso Work é Playá: 15 anos sem Mamonas


Atenção, “Creuzebek”, diga rápido: o que vem à sua cabeça quando se fala em Mamonas Assassinas? Uma resposta plausível seria lembrar-se de uma banda que se vestia de presidiário e de Chapolin nos programas dominicais da televisão, dos muitos trocadilhos e da maneira absurda e irracional como aconteceu sua morte, em março de 1996. Pois agora olhe bem o calendário: sim, exatamente, faz 15 anos que Dinho & Cia. faleceram em um desastre de avião na Serra da Cantareira. Feito um cometa, a ascensão e a queda da banda ainda assombram por sua rapidez e pela maneira como atingiu não só determinados ouvintes, mas a todo o país, em todas as faixas etárias.

Como todo fenômeno musical de amplo alcance e duração breve, por assim dizer, não basta apenas apontar uma ou duas razões para tanto sucesso. Pode-se argumentar que é uma mistura de muito talento, um pouco de sincronicidade e alguma sorte com a conjuntura social-econômica do país. Pra quem esteve em Marte nos anos 90 - ou, no caso dos mais novos, matou as aulas de história do Ensino Médio -, vale a recapitulação: à época do lançamento do primeiro disco da banda de Guarulhos, pela primeira vez em vinte (ou seriam trinta? cinqüenta?) o país vivia uma onda de bonança econômica. Tudo isso graças ao Plano Real, que impulsionou o consumo de uma classe média dormente desde os anos 80. Assim, produtos e serviços anteriormente tidos como supérfluos (congelados, frango, iogurte, CDs) acabaram sendo largamente consumidos por esse estamento social.

Os Mamonas (Dinho, vocais; Bento Hinoto, guitarra e violão; Júlio Rasec, teclados; Samuel Reoli, baixo; e Sérgio Reoli, bateria) acabaram por pegar carona nesse momento: a vendagem de seu disco de estréia ultrapassou os 3 milhões de cópias vendidas e muito do clima do álbum é concebido nesse "zeitgeist", como a referência à Brasília amarela - um carro velho, que se assemelha a uma carroça, mas é o que podia ser comprado pelos brasileiros. Pelo menos duas músicas retratam com maior especificidade o que acontecia nesse sentido na época: "Chopis Centis" é a marca dessa geração deslumbrada com a possibilidade de ter eletrodomésticos e ir ao cinema, nem que seja pagando isso tudo em prestações a perder de vista ("a felicidade é um crediário nas Casas Bahia"). Já "1406", por sua vez, mostra os sonhos materiais desse mesmo pessoal, que parecem simplesmente não ter fim ("Mas a pior de todas é minha mulher/Tudo o que ela olha a desgraçada quer/Televisão, microondas, micro system/Microscópio, limpa-vidro, limpa-chifre/Facas ginsu").

Outro ponto que conta muito a favor dos Mamonas é o fato de suas músicas, apesar de serem marcadas por determinadas referências locais (em especial, o litoral paulista), poderem ser compreendidas nacionalmente sem grandes problemas. É como se "Pelados em Santos" pudesse ser situada em Florianópolis, Ipanema ou Jericoacoara e ainda assim não haveria qualquer prejuízo de entendimento para o ouvinte. Ou ainda "Jumento Celestino", que apesar do humor, toca o problema da migração de maneira muito perspicaz. Isso sem falar em determinadas canções que já partem de premissas universais, como "Uma Arlinda Mulher", "Mundo Animal" ou "Bois Don't Cry". Além disso, é notável o esforço (talvez involuntário) da banda em captar a linguagem popular, criando um exemplo vivaz de "variação lingüística", algo que foi feito tão bem anteriormente por mestres como Adoniran Barbosa.

É possível dizer que a obra dos Mamonas contém camadas de apreciação. Feito uma metralhadora, suas canções disparam referências sem cessar: The Cure, Jerry Adriani, Henry Mancini, Roberto Leal, mitologia grega, matemática básica, ficção científica, ditados populares, o nascente pagode da época, Sepultura, Titãs... a lista é imensa. Observando dessa maneira, dois comentários se fazem necessários: é de impressionar o conhecimento animalesco dos clichês e símbolos do rock pelo grupo (tanto musicalmente quanto esteticamente); e é óbvio que quanto mais se compreende tais menções, mais saborosas se tornam as idéias do conjunto capitaneado por Dinho. Pra não comentar a beleza de achados "poéticos" como "Eu não vejo a hora de descer dos andaime/Pra pegar um cinema, ver Schwarzneger/E também o Van Damme".

A fusão de gêneros também é algo a ser destacado em Mamonas Assassinas. Misturar forró, pagodão, música de roda, death metal, baladas sentimentais bregas e punk rock tudo num mesmo disco poderia soar indigesto. Cabe aqui mais uma vez um elogio à versatilidade da banda, mas não só isso: é de se destacar a mão de Rick Bonadio (sim, ele já fez coisas realmente geniais) na produção, capaz de unificar todo essa salada musical e ainda dar identidade à banda, como se fosse possível ouvir uma canção e dizer: "ah, isso aqui é Mamonas".

Porém, talvez pensar em tudo isso seja só racionalizar algo que muitos ouviram e simplesmente gostaram. Mas após quinze anos, o que foi feito de sua obra? A indústria fonográfica, em um primeiro momento, procurou substituir sua galinha dos ovos de ouro lançando mil cópias dos Mamonas, das quais as mais memoráveis seriam Baba Cósmica (os "irresponsáveis" por "Sábado de Sol") e Virgulóides (aqueles do "eu acho que o bagulho é de quem tá de pé"). Como o leitor mais atento pode perceber, trata-se de uma linhagem que diretamente não gerou herdeiros, similares ou evoluções, o que é possível que tenha contribuído para um status ainda maior de "lenda" do conjunto, capaz de conquistar fãs que nasceram depois de sua morte. Mas seria irracional dizer que a imortalidade da banda se deve só a isso. Trata-se de um trabalho genial, expressão de uma época que ficou para trás, ainda que um tanto quanto subestimado por público e crítica hoje em dia.

Se você lê este texto, provavelmente já ouviu o disco dos Mamonas uma dúzia de vezes, pelo menos. Tal como um velho amigo (ou os brinquedos da trilogia Toy Story, pra comparar com outro símbolo dos anos 90) ele está lá, à espera, ainda cheio de velhas e boas histórias pra contar. Assim como Andy, você provavelmente amadureceu, conheceu outras bandas e passou por outras experiências. Esse texto se encerra com uma sugestão a você, leitor: aproveite a ocasião pra ouvir esse disco de novo. Não simplesmente porque parece que você vai entendê-lo melhor ou pra relembrar os velhos tempos. Ouça esse disco por você.

3 comentários:

  1. Perfeito. Mamonas são eternos e isso não tem como se negar :)
    Belo texto Noa :D

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  2. No ensino médio ajente tem aula sobre os mamonas ? ( historia )

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  3. Ajente? Aulas de português quem sabe?

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